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A Palavra Não Escrita





Para baixar, gratuitamente, no "Poesia Evangélica"

Para baixar, gratuitamente, no "Monergismo"

Para baixar, gratuitamente, no "Internautas Cristãos"


 *****

Por Jorge Fernandes Isah



Reproduzo, neste minifúndio virtual, o comentário ao meu livro de poesias, "A Palavra não escrita", realizado pelo amigo e irmão, o pr. Fábio Ribas, autor dos blog "Casal 20" e, também, do livro de poesias "A Trajetória do Indivíduo" entre outros (excelente, por sinal), que pode ser baixado gratuitamente na biblioteca de livros do "Poesia Evangélica", do mano curador de nossas empreitadas literárias, o Sammis Reachers". 

Não posso me esquecer do também amigo e irmão Felipe Sabino, do "Monergismo", que apesar dos seus muitos afazeres e obrigações, sempre me dispensou uma gentil atenção e, também, disponibilizou uma cópia do livro para download em seu site.

Quero, ainda, fazer um agradecimento especial ao amigo e irmão Tiago Knox, do Internautas Cristãos, que gentilmente liberou uma cópia do meu livro para download, e sempre foi uma das pessoas que mais me incentivou a escrever. 

Mais uma vez, agradeço, do fundo do coração, a amizade, atenção e auxílio que estes quatro irmãos sempre me dispensaram, nos últimos sete anos, ao menos (já vamos para quase uma década de amizade). 

Sou-lhes imensamente grato!

Então, sem mais delongas, vamos às palavras generosas do Fábio. 



*****

"'Todos os homens são iguais
Até a primeira linha escrita'...


Quando comecei a ler o livro do meu querido Jorge Fernandes Isah, já coloquei ao meu lado uma folha em branco para anotar os títulos dos poemas com os quais eu mais me identificaria. 

Sim, "identificar" é a melhor palavra a ser empregada quando leio poesia (e mesmo prosa), pois gosto daquilo com o que me identifico e aquilo que gosto se identifica comigo. Como se o texto lido fosse um espelho, revela aquilo que tanto preciso saber (ou relembrar) sobre mim mesmo, mas que recuso enfrentar ou trazer à memória e o poeta/prosador é esse autor que lança diante de mim o que insisto em não querer ver. 

Ao ler, vejo o autor e seu universo, mas é no verso que me atravessa que me encontro fisgado definitivamente e é isso o que eu mais gosto. Assim, preciso confessar que foi no poema "Navalha" que a carne da minha percepção se abriu de vez. 

E, quando dei por mim, minha folha já se encontrava cheia de títulos de vários poemas: "Motejo", "Palavra", "Paradoxo", "Transpiração", entre tantos outros. Contudo, destaco o poema "Anular" de metáforas e cenas exatas. Gostei demais!

Querido Jorge, bom mesmo é gostar de se identificar. Bom é saber que não se caminha esta estrada sozinho, meu caro irmão de letras. 

Parabéns pelo livro!"

Gramar


As palavras correm desavisadas,
como se fossem águas incontidas,
a rodear uma cidade indigente,
por cujos lábios é hostilizada.

Andam errantes de manhã à noite,
olhos atentos e ouvidos moucos,
uma víbora que cerra os dentes
e carrega os encantos digestivos.

Não se coram na violência,
nem se purgam nas sombras,
têm a alma em sustenido,
presa ao lamento dos homens. 

Lao


 Tomas tua desgraça e vesti-te em ti mesma
pois não hás de tecer o que te cubras,
nem podes alinhar-te em refúgios,
nem adornar-te a seres menos árida,
não trazes aromas que te reputes.

O ardor que em ti hás,
és água-morna a vomitar-te.  

FINAL

Todos aqueles anos levados
como carga em lombo de asno,
o ar a esvair do balão rasgado
cacho podre desprendido do galho.


Histórias levadas à vida
fotografias esmaecidas
em álbuns rasgados pelo tempo
cicatrizes a desgastar a alma.


Sob o vinho tinto derramado
os últimos arrancos de tudo
a perpassar glossários caducos
qual o sibilar de bala perdida.


Não há mais condições a cumprir
nem resta nenhum esconderijo
a nau soçobrada na tormenta
multiplica o corpo em detalhes,

à última molécula reduzida.

IMPOSSÍVEL II

Como apagar da memória a voz do passado?
E dissipar as lembranças da mente?
Insistindo em viver como se o fundo do coração
fosse um lugar raso?
A reviver a vida não esquecida,
através de imagens amareladas pelo tempo?


Revogar o que não pode ser suprimido
[é mais fácil fugir do que se arrepender],
Viver um permanente estado de inconsciência,
a abafar a própria voz e os gritos exagerados,
de que o homem finito somente é possível
no infinito,
de que certas coisas não fogem
nem deixam fugir,
de que o acaso não tem forças para ocupar
o lugar da verdade,
nem os atalhos podem levar ao único caminho,
e a coragem não pode ser lançada às ruas,
sem que desça aos bueiros,
assim como os tapetes persas não podem revestir
a baia dos porcos,
sem serem destruídos.


Toda tentativa de se manter vivo é inútil
quando se está morto,
o que se quebrou não se pode reconstruir,
a menos que seja novo,
e o impossível venha a ser.


Por ele, e nele,
viva.

NECROLÓGIO

O vazio escuro, 
na absoluta medida do desespero,
do desejo impossível de fugir,
de mover-se na paralisia
em direção ao ponto luminoso
que avistaria, caso existisse,
na impermeabilidade do repouso.

Não entre sem bater,
nem bata ruidosamente,
para não perturbar o sono,
e ouvindo apenas o silêncio,
não se abra a porta e lhe atenda.

Afaste-se, se tem pernas ágeis,
daquele encontro traiçoeiro,
em que o falso mantém como tesouro
o tempo desgastado inutilmente, 
como palavras perigosas a afiar a lâmina,
enquanto o mal apressa-se em persegui-lo
na verborragia desenfreada.

Sim, sim! Não, não!
o que passar disso é embaraço,
não se supera o problema pelo engano,
nem a dúvida pelo desacordo.

Como aquele que se desviou,
não creu no que deveria crer,
nem considerou negar os anos que não viveu,
mas correu da direita para a esquerda,
em passadas preguiçosas,
um longo percurso para abraçar uma estranha,
sem sentir-se traído pelas recordações evanescentes,
quão repetições de uma obra inacabada.

A antítese de si mesmo,
sendo aquilo que nunca será, 
mas sendo tudo o que é...
um punhado de terra lhe sobreveio.

DEVO-TE A TI

Se agora o sorriso é jubiloso 
e não mais os dentes renhidos, 
devo-o a ti.
Se o vento refresca-me a alma 
e não ouço mais os trovões, 
devo-o a ti.
Se as mãos unem-se em harmonia
e trabalham juntas na mesma vontade
exercitando a justiça
e não a jabear nervosas
mas entrelaçadas na verdade.
Se o coração expurgou 
e o sangue não está a ferver em vícios.
E aquele momento se eternizou 
e não mais o esquecimento resistirá.
Se hoje não estou mais morto
como era outrora.
Se sou, sou em ti,
como nunca fui antes 
mas devo-te 
porque em ti vivo 
movo e existo.
Sem ti, 
o que seria de mim?
Não me lembres daqueles dias
nos quais desfalecia como moribundo 
agora sou teu 
e nada me fará voltar ao vômito 
de onde fui tirado 
lavado e vestido em roupas brancas  
a olhar-te, frente a frente 
assim como sempre 
olhou para mim.
Se sou, és porque
tu sempre foi e 
jamais poderia não ser
o eu sou.
E devo-o a ti.  

PAPÉIS

Folhas imóveis perdidas
entre pétalas atraídas
a abandonar o eco desertor
a contender noites recortadas
antes da última ladeira descida.

Verdade oferecida em pagamento
uma e outra arrastada ao lado 
a honra impelida
faz a norma eliminar o vento.

Formas oblíquas queimam-se à raíz
a revelar figuras geométricas
um ou poucos caracteres à vista
como o vagar das causas singulares.

Amores ornamentais cultivados 
em canteiros estreitos
não imitam o laço do passarinheiro
do antiquado alfeizar desviam-se
das mãos mal-vedadas do fustigador.

Retem-se o que se perdeu
na vocação fora do tempo.

FINGIR

O que fazer a respeito?
Se os donos dos cinemas deveriam proibir
os escandalosos e violentos,
mas preferiram iluminar a sala
com grandes holofotes?


Acaso não são os herdeiros do mundo,
em que o sentido verdadeiro da natureza
é colocar em serviços as partes caducas do seu tempo,
sem constituir nada além da arruaça?


Magos de uma segurança privada,
da novidade sem esperança,
enquanto se amontoam escondidos no
galho cerrado, encolhidos, em si mesmos.


A não sobrar nada, nem o que recolher.

APENAS UMA VEZ

O destino não selado,
na dúvida por um instante,
eram duas tentativas correlatas
de se escrever a história
ao passar daquilo que aconteceu.

No prognóstico impreciso
aspectos reais não são o mesmo que delírio.

Toda condenação é um ato de pureza
onde o perdão não pode ser tocado
nem motivos reivindicados,
a se salvar por coincidência
ou a trôco de nada.

Cedo ou tarde a autoridade triunfa
pelo único nome a atravessar as épocas
antes do tempo e da fundação do mundo
na ordem por muitos ignorada
mas sustentada na palavra.

Determinou a origem e o fim
como estrada aberta em mata virgem
tão longa que falta fôlego imaginar,
homens perdidos, unidos na fé,
uma vez, como a dada aos santos.

Mas do que se passou não há lembrança
nem suspeita
quando no livro aberto
nenhuma ausência for sentida.

A necessidade de reparar
não precipitou o desfecho,
ainda que sempre estivesse escrito.

BALDADO

Barcos vêem e vão do cais
Ao som das ondas quebrando-se na amurada
A abrigar-se da divisão externa dos elementos
Destituídos no mundo dos conhecimentos
Que se recusam a qualquer mistura
Mas se ainda coubessem em seu interior
todas as perguntas sem respostas
A turva visão repetida dos problemas
Não seria mais que palavras sem início e sem fim.

Cantar para si próprio os cantos esquecidos
Faz de noções abstratas o lugar tomado pela aventura
Por notas dissonantes, o espírito recebe um choque
De um modo ou de outro, a surpresa,
Como se a verdade fosse um risco imprevisível.

Os olhos abertos a lembrar a crise
Na direção do futuro sem matriz
Da paixão sem amor
Da morte como casa abandonada
A difundir feridas nas antenas de rádio.

Impossível ao nada disputar o lugar
Onde o salário da morte trouxesse vida
Sem nunca atravessar a porta estreita
E imaginar-se salvo nas coisas iludidas
Curado na doença terminal
A perseguir uma frase sem sentido.

Por que o sentimento incomoda-se a abandonar?
Se da insatisfação se chega ao estímulo?
A derrota é o desafio de tardes repetidas
no primeiro encontro
Como encantos renunciados na vida
A consagrar-se no remorso sem perdão.

O porto-seguro é o único lugar
onde a âncora não tocou. 

EPÍLOGO

O suor a instilar pelo corpo, a última água a jorrar da fonte seca;
Em breve haverá apenas a terra árida,
E o sopro do vento gelado a corroer o ânimo combalido em que me arrasta.
Os olhos que me vêem são os mesmos com que vejo,
As peles exalam o cheiro que me pertence,
Os suspiros, o ar derradeiro a inflar os pulmões,
Nem o zunido a ecoar traz o sentido às palavras.

Cabelos brancos a esvoaçar, folhas esturricadas a farfalhar,
Rugas crispadas, fendas no rochedo,
Não há mal que perdure,
Enquanto houver a esperança de que o bem surja e nos alcance.

Ainda a correria desenfreada,
O tempo a escoar, a barragem quebrada,
Num alívio que se esvai.
Há agonia, a carne lavrada,
Nenhum grão a semear.

Ao querer rejeitá-la,
Fui derrotado pelo laço, o nó paralisante,
Faz o sangue jazer inerte em meio às artérias obstruídas,
Cômodo... partilhar o colapso dos sentidos,
O redemoinho em que o delírio forja a imagem de que não sou
Sequer fui, pode ser que seja...

No fundo, enquanto estraçalhado,
Não sinto a dor que me perpassa,
Nem o pavor a consumir,
Há somente o hálito morno a expulsar-me de mim,
Como um exército em retirada,
Sem ter onde abrigar-se.

Quisera poder chorar,
Rasgar a carne com as unhas,
Cuspir no rosto, amaldiçoar o dia em que nasci,
É tudo o que poderia fazer,
Apesar de nada disso remediar o pecado, 

e absolver.

Sou um condenado à morte infinita,
A eterna agonia de jamais vê-lo,
E após a iminente sentença, a culpa confirmada,
Quis instar-lhe o perdão, era tarde... impossível...
Os grãos debulhados jamais retornam ao sabugo.

Não havia como resgatar-me.
Em toga, era Juiz.

AMOR

Não é o nome apagado na agenda,
Nem a vela a consumir-se no funeral,
Ou água a esvair-se da pipa fendida;
É muito mais do que cair do cavalo,
Que manter os pés secos na enxurrada,
Cozinhar o galo em banho-maria,
Sonhar tênue em meio à emboscada.

É como erguer uma parede,
Estender a mão ao amigo,
Chorar a dor de quem perdeu,
Andar sem esforço no atoleiro.

Pode durar uma hora ou dias;
Pode arrastar-nos pela vida,
Pode perpassar indelével com o tempo,
Pode ser a carga a nos encurvar.

Cura
Mitiga,
Suporta
Fia.

Conhece,
E faz-se conhecer.

Tem coração,
Tem vida,
É verdadeiro,
É Único.

Seu Nome acima de todos os nomes.

Não há outro,
Diante do qual o amor se curve.

NAVALHA

E continuou
a pedir um sinal
se em cima ou embaixo
pouco importa é verdade
manteiga e mel
antes que saiba
que desde aquele dia
nunca favoreceu os vivos
nem se separou para a luz
e persistiu em assoprar as moscas
e fender a rocha
e cortar arbustos com
lâmina sem gume.

AS LÍNGUAS

Eu abraço-me a mim mesmo
Tu abraça-te a ti mesmo
e nós não nos abraçamos
viramos os rostos
como se nossas almas estivessem
atoladas na lama profunda
ou arrastadas a águas fundas
por correntes impiedosas.


Não cansamos de chorar
enquanto as gargantas secam
e os corpos desfalecem
por que a causa que defendemos
é a que mais rejeitamos
e os amigos que nos cercam
são os inimigos que nos alcançam.


Estranhos, desconhecidos
jejuamos o amor
e saciamo-nos na dor
a resgatar depressa a angústia escondida
como se não houvesse nenhuma compaixão
e achá-la seria o mesmo que se embriagar
de vinagre ou fartar-se na miséria
a compartilhar indignados.


Sem o meu abraço no seu abraço
a semente não herdará a terra
e desejar o mal será o mesmo
que tirar as entranhas e dá-las aos cães
e escorrer por uma longa distância
a lamber o pó cujos rastros as línguas
deixaram sobre a terra.

VIGIA

O que os olhos não viram,
os ouvidos não ouviram quando a língua se calou,
e diante da enxurrada de palavras,
os lábios perseguiram o restolho seco,
a defesa intentou mentiras,
zombou a verdade, 
ocultou o feito, como se espalhar cinzas nas plantas
escondesse o cheiro queimado.
A culpa levada ao vento,
no redemoinho de coisas amargas,
em roupas roídas por traças,
a ordenar a rendição do caos,
e dos meses a raptar segundos,
pois o tempo não tem repouso,
nem a água vive ao longo do rio esgotado,
nem o combate alcança o limite removido.
Por que as pedras se gastam em lágrimas?
E o espírito a despir-se no látex?
O afeto é broto, pó a nascer em ramos,
a lavoura  a exalar o cheiro morto.
O homem nasceu condenado,
a vagar pelo pão diário,
a recompensa pela dor que não cessa,
a fim de agarrar a sombra em noite sem luar.
Lançou-se aos pensamentos, 
sem nenhum esconderijo.
Apenas o túmulo a vigiá-lo.

SOBERANIA

Pode Deus ter inimigos?


Criaturas não-eternas não podem vencer o Eterno. 
Criaturas não-infalíveis não podem vencer o Infalível. 
Criaturas não-soberanas não podem vencer o Soberano. 
Criaturas não-santas não podem vencer o Santo.
Criaturas não-perfeitas não podem vencer o Perfeito.
Criaturas finitas não podem vencer o Infinito.


Em todos os aspectos, satanás e os réprobos estão derrotados, 
antes mesmo da fundação do mundo; 
na verdade, foram criados para a perdição eterna, 
a derrocada inevitável, sem qualquer chance de triunfo.


Pois tudo, mesmo o mal, está diante dos seus olhos,
eternamente.


Ontem, hoje, sempre.

PRIMÁRIO

Contínua procura da ordem,
atrás de cada resposta adequada,
por longos caminhos sem distâncias,
onde a humanidade atingiu a vida
com o golpe de quem no lugar da morte
transmitiu dúvidas.


Onde começa o homem e termina o espírito?
Ou o espírito é a gravidez com dores a
parir o homem? E o dá a conhecer?


Ninguém se esforça em elogios,
o silêncio é vagar, sem lugar onde
amigos íntimos lançam ataques suicidas,
em previsões mais graves do que curtas,
no breve intervalo do coro alternado, 
aberto em ondas mecânicas longitudinais,
que não se pode escapar sem antes
queimar as partes condenatórias.


A mão misteriosa é a que, antes de tudo,
inflama as palavras para o que não era
não seja mais, 
e o diagnóstico precoce não cure as dores.


Permanece. Impossível.


Para o bem real enquanto diminui o
imaginário de existir, como uma pequena
parte do que não se foi inteiramente 
capaz de viver.


Em todos os lados, em todas as direções,
as coisas cheias esvaziam-se,
as maiores, sumiram,
de onde vem, não vem outra,
a parte infinita já não é nem
a parte do que se pode ser.


O pardal não voa mais,
receoso de encontrar o lugar 
em que se cai.

RASTRO

E também houve
E também negaram
E também trouxeram palavras fingidas
E também a sentença não tardia
E também espalham suas nódoas
E também o vento a arrastar nuvens no tempo.

Contadas razões
Obra injustificada
Ninguém a escapar
Anunciam-se coisas antigas
Enquanto se tem por testemunha
o estranho tardiamente amigável.

O lugar desconhecido
Dias como pó a varrer o sul
Entre os que partem depois de vir
No que falta não se pode calcular.

Porque as coisas tornam a correr
Antes de morrerem desembestadas
Porque os olhos fartam-se de ver
O lugar cheio de nada
Porque os circuitos dão meia-volta
A guardar o que se lançou fora
O fôlego espalhado nas pedras ajuntadas
nas valas de resíduos tóxicos.

Houve antes a aflição
A que em outros se instalou
Loucura a cavalgar em trevas
A buscar uma porção do mal.

A noite não descansa enquanto
o sol estiver a pino,
Morre o sábio, morre o tolo,
E o homem esquecido
como a paz perdida na guerra.

E também durará eterna,
Se nada se acrescentar,
ou se tirar.


MOTEJO

Não conheci,
Não encontrei,
Já é muito,
Os fiz abandonar,
Agora venha sem cargas.

Não há palhas,
Nem cascas,
Colha o grão seco dos galhos ociosos,
E ocupe-se com palavras vãs.

Nada diminuiu,
Nem o restolho se espalhou,
Apanhei-o como jóia acabada,
Enquanto a aflição veio ao avançar da noite.

Julguei as mãos vazias,
A culpa abandonada,
Ontem foi apenas outro dia...

Os braços estendidos,
O nome marcado,
Nenhum som aos ouvidos,
Nem sangue nos lábios,
No torpor ficou claro,
O que as moscas haviam dito.


 

DUREZ

Por quantas vezes,
Ouvirei aquela palavra,
E me sentirei morto,
Como um corpo conservado no gelo,
A alma intacta não se alui,
Insensível como ouvidos moucos,
Ao troar da lima no metal?

Quantas vezes ainda,
A espada me ferirá,
O sangue a jorrar anêmico,
Jaz-se em poça, se esvanece,
E nem mancha forja?

A quantas vezes,
Irei tropegar,
Qual velho a mover-se no pântano,
A resvalar a ponta do dedo,
Em algo que julga bálsamo,
Mas sequer pode-se entrever?

Dores a fustigar;
Entre golpes acolhidos,
A pasmar a consciência suína,
Não é ainda o nocaute...
Nem o espírito sepultado. 


LINEAR

O homem se debate e bate
pela ciência e não-ciência,
andando em círculos nos
problemas, que volta e meia
retornam, como placebo ineficaz
para a morte sem solução.

Não, os peritos obstinados não sabem,
não há unidade sem padrão,
nem descoberta sem valores fixos,
e nas contingências ambientais desejadas,
o homem é destituído de quilate
como qualquer animal domesticado.

Sem o contato com a realidade,
é-se transportado para um mundo
paralelo, onde a fronteira última
não é a verdade mas a refletida
obscuridade dos efeitos irreais,
onde o resultado a qualquer custo
é o caminho transtornado do
homem endeusado, sem cura.

O homem do homem está perdido.
E somente por Deus pode ser achado.
Porque o homem de Deus está
preparado adequadamente,
no alívio do padrão divino de
santidade, em que as sombras
são quebradas pela luz, como
cacos reconstruídos à sua imagem.

O templo de angústia,
como fumaça, se dissipou.
E as relíquias, destruídas.

O homem reformado,
vaso em molde novo,
é como curva regenerada,
linear, não se quebra jamais.

ANULAR

Quem inventou o medo,
não desmaiou outra vez,
nem se incomodou que a loucura
o interrompesse, 
enquanto tomava o café da manhã
fumegante,
e partia os ovos levemente duros.

Por sorte
ninguém o esperou até agora, 
então se correr com as ataduras 
soltas,  cuidado!
Pode-se cair, e quebrar o pescoço.

É como soluço em copo d'água,
esconderijo em praça pública,
o rigor das respostas às perguntas
malfadadas,
correr-se o risco dos pensamentos
fragmentados,
na medida dos erros exatos,
na obstinação mais próxima da
refrescante ignorância.

Para que o corpo seja entregue,
e aqui enterrado com todas as
honras.
E não se negue o contado,
porque sempre haverá mais
alguém, em última instância, 
a recusar o tempo.

Depois de tudo, 
sabe-se pouco, 
porém a ignorância não será eterna.
Por isso, espera-se tal qual os
indicados,
que as explicações anuladas
não resistam à última palavra 
predita.


MORTOS E VIVOS

O corpo no esquife faz
lembrar que as pessoas mortas
parecem vazias,
como se sentissem falta de algo,
seja da alma onde sobra apenas
o corpo,
ou do corpo de alma renegada,
sem vida e abandonada.

Morrer não é possível quando
já se está morto;
e aos mortos não é dado o
direito à vida, se Deus
não os regenerar.

Se o velho não se fizer novo,
e não for enterrado
eternamente,
o morto não pode ressurgir,
pois Deus é dos vivos,
enquanto os mortos, 
não ganham vida.