VONTADE A vontade livre, livre da vontade, no vazio e o nada, deixada ao acaso, sem base, como se ter vontade?
A liberdade de não ser, nem poder se ter, a vontade não subsiste sem influência, sem influência não há vontade, sem vontade não há responsabilidade, a sorte nega as duas, e as duas negam a sorte.
Ainda assim, há a vida e a morte, na vontade e na sorte.
Deus controla as duas, e tudo o que representam, seja o início e o fim, por sua vontade.
AVISO
Aviso: não siga!
Estanque.
Volte.
Mas não olhe para trás.
Pise o mesmo caminho,
do qual dantes quis fugir,
aonde corriam as pernas,
e o tremor levantava poeira.
Aviso: não siga!
Nem em vinte dias,
nem ontem ou amanhã,
ou nos próximos cem anos.
Não volte àquele lugar,
porque os amigos perderam-se
no instar da bocada a
devorar o cachorro-quente,
e a Coca-Cola não conteve o esgar.
Aviso: não siga!
É Deus livrando-o.
Mesmo que ele não seja assassino,
mesmo que o celular não toque novamente,
nem lhe devolvam o sono desviado,
e a violência serene.
Mesmo que não entenda o seu riso,
nem o nervosismo a contrair-lhe a face,
e sejam restituídos os minutos preciosos em tempo.
Aviso: não siga!
Não é uma advertência,
mas uma ordem.
Não é provável,
mas certeiro.
Não é impossível,
mas para que não aconteça o iminente.
Não é o delírio.
É profecia.
Quem tem ouvidos, ouça.
Aviso: não siga!
Porque Deus não escreve
certo por linhas tortas.
Ele escreve, certo!
Não é um aviso.
Aconteceu.
Para que a surpresa
Não lhe pegue imprevisto,
e o aviso não seja
o repentino epitáfio
entre as lágrimas chorosas
dos que o amam.
Aviso: siga-O.
FATAL
Gravemente pecou;
Chorou as lágrimas solitárias na noite inimiga,
A festa era porta fechada onde habitava a aflição,
E os suspiros desolados do errante repousavam nos caminhos tortuosos e devastados,
Onde o socorro não alcança, onde o fim não é lembrado.
As mãos folheavam o álbum, os retratos de tempos antigos,
O papel exaurido e as cores desbotadas pareciam zombar da ruína em que se tornou.
Gravemente pecou;
O pão, a nudez, o ouro no pescoço, a beldade, eram o troco da alma declinada,
Os ossos esmagados, a carne enfermada não podia mais comprar,
Nem mesmo adubar a grama, nem afastar a cerca ao redor.
A armadilha presa aos pés, avalanche sobre a cabeça,
Velhos mortos desatavam águas dos olhos, jovens convocavam a derrota na última batalha,
Vestir-se de trapos enquanto as luzes expiravam sorrateiras,
E a treva revolvia as entranhas como o fogo consome a lenha úmida.
Gravemente pecou;
A semente rejeitou a terra,
Mães arrastaram filhos pelas ruas,
A boca cuspiu fora os dentes,
No assobio, cabeças meneadas chocaram-se com muros,
E não se podia escapar da última palavra: a loucura não sara.
Multiplicou-se a ira de Deus,
Deu solenes gritos ao ver o lugar destruir-se,
Gemeu diante do esforço vão de quebrar os grilhões,
Devorou o dia pensando na noite, entrou por onde jamais sairia,
Guiou-se como alvo às flechas, fez um prato fundo de areia e lodo,
Escondeu os ouvidos da sinfonia como se esmigalhasse o único troféu.
Gravemente pecou;
A vida pulverizada como metal limado,
Esperar razão quando sobrevêm amarguras,
Põe a língua no pó, persiga as nuvens no céu,
Não se deixe fugir da morte, e ponha-a a salvo depressa,
Pois o castigo espreita, prestes a abater a caça implacavelmente.
Polir o lixo, a culpa não pode ser aplacada com uma desculpa. Gravemente pecou; Desviou-se, fugiu, andou lentamente erradio, perseguiu ciladas, A pele presa aos ossos como cão vadio, sem dono, Foi-lhe posto o último fôlego, o negrume a vaguear como cego tocando o vazio, Debaixo da sombra viu covas enfileiradas, nunca mais se morará ali, Serviu-se o alimento, e água suficiente para acabar com a sede, Porém, contaminado pelos seus pecados, cumpridos os seus dias, Consumiu-se no fim como a descobrir uma recompensa... que não chegou. Gravemente pecou.
PRAGMA Não há muito o que dizer quanto a isso, nem muito com o que se preocupar, em certo sentido a necessidade repousa sobre o alicerce incoerente, em que o eclético pode estar em um ou outro lado da ponta, pode estar reunido ouseparado, e ainda que não pareça funcionar, e reflita a mentira mais obscuramente recuperada, é como o alicerce erguido inadequadamente no pântano.
Diante do arcabouço das escriturasnenhuma mentira pode ser desenterrada,nem a verdade pode-se enterrar,a menos que o eclético seja posto deponta-cabeça, a juntar os retalhos comonuma colcha prestes a se rasgar.
Deus tem dado a resposta.
EVOLUÇÃO Faltam tábuas suficientes, faltam pregos necessários, há tábuas sem pregos, pregos sem tábuas, martelos sem cabeças, cabeças sem cabos.
Nunca suficientes.
Há pregos tortos, e tábuas tortas, e martelos leves demais.
Tudo imprestável.
Outros são tão pesados que se é impossível levantar. As serras não têm dentes, puas não realizam furos, e as brocas são planas, enquanto as chaves nãotorcem as fendas, nem as lixas alisam as crostas.
Mas todos esperam pormesas e cadeiras, e elas o marceneiro, queainda não foi concebido.
MODELO O oleiro e o barro, o barro espera o oleiro, a água a lavar o barro, enquanto o barro a esperar ooleiro, enquanto o vaso espera o barro, e o vendedor a esperar o vaso, enquanto a flor agoniza nas mãos do oleiro. Que não amassou o barro, não fez o vaso, apenas arrancou a flor, porque todos disseram queera advogado, enquanto esperavam o oleiro.
CABER Frio, Pés em modorra, O silêncio, A contemplar as pás girar. Latido, Revolve as tripas, O sentido, A latejar as pontas dos dedos. Risco, Lança-se ao desperdício, O sonido, A empilhar calafrios. Rude, Fustiga a pedra solta, O sólido, A fragmentar-se no moedor. Freio, Pedágio em terra estéril, O sino, A roer o osso. Livre, Rende-se à dor infinita, O sono, A fatigar em penas. Inferno, Não é apenas o torpor dos delírios.
METÁFORA
Vi a aflição estampada em seus rostos,
os dedos claudicantes a tentar pegar objetos aleatórios,