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NÃO PENSAR
Descansar e não pensar,
repousar na esperança,
sentir a vida até onde for trazido,
no princípio, no meio e no fim,
como se já estivesse longe
perdido no fundo do coração
sem o direito ao perdão divino
a dispor as coisas lado a lado
num último pensamento forjado:
o de não pensar.

Enquanto se morre.


ELEIÇÃO
Desde o princípio
Pai
Filho
Espírito Santo,
o Deus triuno
(impossível para a mente humana),
escolheu a sua família
antes da fundação do mundo.

E me chamou pelo evangelho,
escolheu-me sempre em Cristo,
para alcançar a sua glória.

Por seu eterno e imutável propósito,
fui impelido, e assim, quis.


GALOPE
Não é esse o castigo esperado
A voz que se faz ouvir no topo do carvalho
Os prados  a chorar a seca dos dias
a consumir os palácios,
a retirar os trilhos de ferro e carregá-los por
quatro noites, e depositá-los nas
cinzas da cidade perdida.

O fogo a correr pelos vales
Por três vezes quebraram ferrolhos,
tomaram das mãos as alianças e
deram-nas aos inimigos como a
preservar a honra em conserva.

O calor dilatou-os por três
A dor multiplicou-se por quatro
Na tempestade, os alaridos da batalha
A cal derramada nas feridas, os
ossos queimados.

No meio deles e fora deles
Entre eles e sem eles
Todos e nenhum rejeitaram e
não guardaram a sua lei,
enganados pelas suas mentiras
perambularam desnorteados
como almas em quarentena.

Porque se vende a justiça por qualquer dinheiro
Porque se vende o pobre por um hambúrguer
e se morre de fome suplicando um
pouco de pó sobre a cabeça.

As roupas empenhadas e
manchadas pelo vinho tinto,
são raízes puxadas por baixo da terra,
a tornar moribundos os frutos e as folhas vivas.

A fuga é o cavalo montado,
a galope no precipício.


DIVISOR 
O segundo não é o sexto
Primeiro entremeio a palavra
O sumo veio a tempo
escorrido nas casas forradas
dispersas no deserto
como roupas de várias medidas


O pouco recolheu o muito
A fome se fartou no saco furado
Ninguém se aqueceu na
madeira molhada
Dissipou-se o orvalho, o sopro


O vigésimo sombreou o quarto
No ano dos meses fastiados


O sétimo não é o oitavo
A noite é o dia
Diante dos olhos
o que restou era o nada
que se via e não se tocava


Daqui a pouco
o último será o primeiro
o maior igual ao menor
No lugar cercado de ânsias
a pergunta não tem resposta
Ponto morto


Se alguém pejar o nono
não haverá pedra sobre pedra
nem vinte contra dez
em vez de cinqüenta, doze


Céu e terra ordenados
Pela segunda vez
a figueira não deu frutos
à romeira
Desde o dia em que se fundiu
ao riso dos outros



ADOPTAR
Amei, e não amei
tenho no peito a tristeza e a dor contínua
de que poderia eu mesmo ser maldito e
por amor receberia as suas culpas
ainda que tenha motivos para não amá-los
mesmo que a raiva os transforme em inimigos
e me torne hostil
enquanto os ouvidos moucos desprezarem as
promessas benditas, os olhos forem buracos ocos, e
a língua a difamar a justiça daquele que chama,
não passarão de defuntos em que as velas acesas
as súplicas repetidas, velarão suas mentes mortas, e
de nada adiantará o choro convulsivo das carpideiras
nem o riso ébrio dos inconvenientes
se Deus não se compadecer e restituir-lhes
a vida que não tinham.

Se caíram, quedei-me sem possibilidade de escolha
nos seus pecados participei ativamente
cedi quando não mais resistiram à tentação sofrida
pequei quando não havia a chance de não-pecar
ajudei-os a preservar aquilo que sabiam tão bem
na queda direta que os levaria ao chão
na falsa neutralidade da ordem distorcida.

Estão postos entre o bem e o mal
não conheciam o bem possível, mas
sucumbiram à possibilidade do mal
desconhecido.

Pela não-liberdade escolhida, do ponto de vista
da influência necessária e inevitável
não depende de quem quer ou de quem corre
nem do tempo contado de maneira alguma
mas daquele que tem a promessa, a aliança e a glória.

Para que desse a conhecer as suas riquezas
nos que são seus
para que desse a conhecer o seu poder
para que suportasse com muita paciência
os que não são seus
a destinar uns e outros para os lugares
que dantes preparou.

Mas ele diz:
Manifestei-me aos que não perguntavam por mim
Fui achado pelos que não me buscavam
Para que entre os remanescentes sejam trazidas as
alegres novas de coisas boas.

O inimigo amei como ao amigo
selado pela afeição perene
daquele que estendeu as mãos para
fechar as portas do abismo e trazer-me
dos mortos a Cristo, mesmo nos confins do
mundo, nunca serei confundido.


QUESTÃO
Em quais condições o homem é livre?
De pecar estando livre de Deus?
De não pecar estando livre de Deus? 

Até que ponto o homem é livre de Deus
para escolher pecar e não pecar?

Até que ponto Deus é soberano para fazer
com que o homem peque e não peque?

Até que ponto o homem pode ser livre
sem ferir a soberania de Deus?

Até que ponto Deus é soberano
e o homem livre?

Até que ponto a natureza humana pode determinar
o grau de liberdade do homem em relação a Deus? 

Ou se está a falar de coisas que
se opõem e se anulam? 

Deus é soberano.
E o homem não é livre.
Eis a questão.