Pages

NAVALHA

E continuou
a pedir um sinal
se em cima ou embaixo
pouco importa é verdade
manteiga e mel
antes que saiba
que desde aquele dia
nunca favoreceu os vivos
nem se separou para a luz
e persistiu em assoprar as moscas
e fender a rocha
e cortar arbustos com
lâmina sem gume.

AS LÍNGUAS

Eu abraço-me a mim mesmo
Tu abraça-te a ti mesmo
e nós não nos abraçamos
viramos os rostos
como se nossas almas estivessem
atoladas na lama profunda
ou arrastadas a águas fundas
por correntes impiedosas.


Não cansamos de chorar
enquanto as gargantas secam
e os corpos desfalecem
por que a causa que defendemos
é a que mais rejeitamos
e os amigos que nos cercam
são os inimigos que nos alcançam.


Estranhos, desconhecidos
jejuamos o amor
e saciamo-nos na dor
a resgatar depressa a angústia escondida
como se não houvesse nenhuma compaixão
e achá-la seria o mesmo que se embriagar
de vinagre ou fartar-se na miséria
a compartilhar indignados.


Sem o meu abraço no seu abraço
a semente não herdará a terra
e desejar o mal será o mesmo
que tirar as entranhas e dá-las aos cães
e escorrer por uma longa distância
a lamber o pó cujos rastros as línguas
deixaram sobre a terra.