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VIGIA

O que os olhos não viram,
os ouvidos não ouviram quando a língua se calou,
e diante da enxurrada de palavras,
os lábios perseguiram o restolho seco,
a defesa intentou mentiras,
zombou a verdade, 
ocultou o feito, como se espalhar cinzas nas plantas
escondesse o cheiro queimado.
A culpa levada ao vento,
no redemoinho de coisas amargas,
em roupas roídas por traças,
a ordenar a rendição do caos,
e dos meses a raptar segundos,
pois o tempo não tem repouso,
nem a água vive ao longo do rio esgotado,
nem o combate alcança o limite removido.
Por que as pedras se gastam em lágrimas?
E o espírito a despir-se no látex?
O afeto é broto, pó a nascer em ramos,
a lavoura  a exalar o cheiro morto.
O homem nasceu condenado,
a vagar pelo pão diário,
a recompensa pela dor que não cessa,
a fim de agarrar a sombra em noite sem luar.
Lançou-se aos pensamentos, 
sem nenhum esconderijo.
Apenas o túmulo a vigiá-lo.