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A PALAVRA

Onde está o refúgio?
E o socorro no momento
da angústia presente?


Quando o trovão não emudece,
nem a terra se muda,
ou o mar faça-se abrir
na escuridão perturbadora?


O silêncio não é o fim da guerra
nem mesmo a trégua,
em que as vozes se calaram
por esquecer o grito.


Antes, os pensamentos são sepulturas
de palavras mortas,
onde a mente recebeu a pintura
grotesca e rebuscada,
do juízo desfeito em prisão.


A palavra não se media pelo
soprar do vento,
pelas dores do parto,
a mão cheia de sangue,
os bens entregues ao louco,
mas por quem a conhecesse.


Inclinem-se os ouvidos,
fecha-se a porta dos lábios,
e os olhos contemplem,
para que laços não amarrem,
nem a alma se parta como
a lenha na lâmina do machado,
e não seja apanhada na rede.


A rocha é a palavra que seus
dedos esculpiram na rocha.


O esconderijo sem fuga.





TEMPO
O tempo não se fatiga,
jamais dorme ou descansa,
nem precisa de auxílio,
não usa bengala ou
se deixa carregar na maca,
ou se lança inerte à cama.

É como o curso d'água
no leito do rio,
a irromper constante,
mesmo caudaloso
a nos apressar,
mesmo minguado
a nos reter.

Onde os passos apressados
não combinam,
onde o estancar teimoso
não pode se partir.

O tempo é uma ponte
que nos leva da fonte
à foz,
as vezes em arroubos,
noutras, complacente,
a escavar barrancos,
erguer trincheiras,
a cortar o sopé do lugar escarpado,
derribar os limites reservados,
separar o barro,
misturar os detritos amontoados.

O tempo carrega montes e vales,
vida e morte,
o perdido e o achado,
o pronto e o inacabado.

Há espaço para o que se foi,
para o que está presente,
e ao que ainda não veio.

É o fluído estanque
na botija,
de onde a torneira jorra,
incapaz de saciar a aridez
do sedento.

Não se pode tê-lo
nem querer mais.
Fartar-se: o sinal de que
o tempo já chegou.

Avidez, pode ser o sinal de
que ele está a fugir.

E não resta mais,
tempo.