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AS LÍNGUAS

Eu abraço-me a mim mesmo
Tu abraça-te a ti mesmo
e nós não nos abraçamos
viramos os rostos
como se nossas almas estivessem
atoladas na lama profunda
ou arrastadas a águas fundas
por correntes impiedosas.


Não cansamos de chorar
enquanto as gargantas secam
e os corpos desfalecem
por que a causa que defendemos
é a que mais rejeitamos
e os amigos que nos cercam
são os inimigos que nos alcançam.


Estranhos, desconhecidos
jejuamos o amor
e saciamo-nos na dor
a resgatar depressa a angústia escondida
como se não houvesse nenhuma compaixão
e achá-la seria o mesmo que se embriagar
de vinagre ou fartar-se na miséria
a compartilhar indignados.


Sem o meu abraço no seu abraço
a semente não herdará a terra
e desejar o mal será o mesmo
que tirar as entranhas e dá-las aos cães
e escorrer por uma longa distância
a lamber o pó cujos rastros as línguas
deixaram sobre a terra.