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NECROLÓGIO

O vazio escuro, 
na absoluta medida do desespero,
do desejo impossível de fugir,
de mover-se na paralisia
em direção ao ponto luminoso
que avistaria, caso existisse,
na impermeabilidade do repouso.

Não entre sem bater,
nem bata ruidosamente,
para não perturbar o sono,
e ouvindo apenas o silêncio,
não se abra a porta e lhe atenda.

Afaste-se, se tem pernas ágeis,
daquele encontro traiçoeiro,
em que o falso mantém como tesouro
o tempo desgastado inutilmente, 
como palavras perigosas a afiar a lâmina,
enquanto o mal apressa-se em persegui-lo
na verborragia desenfreada.

Sim, sim! Não, não!
o que passar disso é embaraço,
não se supera o problema pelo engano,
nem a dúvida pelo desacordo.

Como aquele que se desviou,
não creu no que deveria crer,
nem considerou negar os anos que não viveu,
mas correu da direita para a esquerda,
em passadas preguiçosas,
um longo percurso para abraçar uma estranha,
sem sentir-se traído pelas recordações evanescentes,
quão repetições de uma obra inacabada.

A antítese de si mesmo,
sendo aquilo que nunca será, 
mas sendo tudo o que é...
um punhado de terra lhe sobreveio.