Pages

LIMITES

O óbvio não é verdade,

Nem a verdade óbvia,

Um extremo não se aplica a outro extremo,

Nem a dúvida faz o cético acreditar.


A vontade é mais sólida do que o ar

O corajoso agradece o xingamento

Homens livres não querem caminhar

Perdoar é resistir à tentação da censura,

Ainda que não ouça “obrigado”.


A fantasia em si tem seus atrativos

Enquanto é-se tentado a acreditar em si mesmo,

A registrar amigos perdidos pelo mundo,

Como separar fantasmas denegridos pela mentira,

E a loucura a coagular o vento.


Sozinho no pesadelo,

Luzes a ofuscar as trevas no cérebro,

O esforço de não se assustar com mais nada,

De descrever estrelas no céu mutilado,

Pode ser maior do que o seu tamanho pode ser,

Feito gesso desidratado a secar a água.


Nenhuma prova toma-se ao café da manhã,

Nem erros prendem-se às mãos violentas

Paredes borradas num sentido indefinido

Guardam escritos tirados para si como

Refeição desagradável vomitada pelo asceta.


Imagens diferentes não fazem ver melhor,

Quantos segredos páreos para o destino?

Onde tudo se revela misterioso

A vontade é a criança mimada de castigo.


A cruz refletiu a única luz que

Olhando para tudo e todos,

Enquanto o mundo morto escarnecia,

A sorte jogada sobre a túnica igual um favor coletivo

Concebido inconfundível e inevitável,

Lançava o seu brilho esplêndido sobre os vivos,

Que mesmo confusos seriam dados pelo seu nome.


Onde o tempo parou

A eternidade seguiu-o da terra ao céu,

E com ele ficamos

Além dos limites.




CATENA

Construir notas sinfônicas... no silêncio,
Pintar a vida à óleo... na tragédia,
Erigir torres ao céu... nas profundezas,
Tocar as nuvens... no calabouço,
Esculpir a realidade... no delírio,
Eternizar a história num flash, na escuridão dos fatos,
Imortalizar a morte, trazer à vida os defuntos,
Fazer das letras sonhos, contar os grãos de areia na ampulheta,
Traçar retas que se encontram, e linhas que se fundem.
O homem... pela arte.

Desenhar plantas nas paredes,
Colar estrelas e luas no teto,
Tatuar a pele, tingir cabelos,
Mudar as formas do corpo,
Injetar anfetaminas na mente,
Plantar a melhor planta,
Colher o melhor fruto,
Criar o sapato ideal para pés tortos,
Levar à perfeição o existente,
Quando a perfeição caiu no Éden.
E o homem morreu... por um desejo.

A bomba que destrói,
O remédio que não cura,
O desprezo que não envergonha,
O cuidado que se despreza,
A mão que molesta,
O porrete que se estende,
A mordida que dilacera,
A frieza que acomete.
É o homem morto... no desejo.

Desejo de ser deus,
De alcançar as alturas,
De voar com as aves,
Cantar com os pássaros,
Nadar contra a correnteza,
Sem esperar a morte nas cabeceiras.
O homem sem lugar... no desejo.

A angústia cria,
A dor cria,
A falta cria,
O medo cria,
A mentira cria,
E o mal se refestela... no homem morto,
No desejo do cadáver que não pode querer, nem criar.

Porque onde Deus não está, não há substituto,
Nem como substituí-lO.
O vazio não se preenche, a despeito do esforço.
Resta apenas o vácuo,
E o homem insurge-se a nada, preso à própria rebeldia.




ESCONDERIJO

Folhas ao vento, cinzas ocultas na terra enlodada,
A memória zomba as palavras escondidas ao inimigo,
Depois que se cala, os dentes exibem restos de carne não comida,
O rosto esconde-se entre culpas e pecados do passado,
Sinais herdados, coisas amargas a consumir a causa justa.
Como a traça roí a roupa e não teme a morte,
Vagueia-se pelo deserto, na desordem dos caminhos reticentes,
Em sombras confiscadas pelas trevas,
Onde não há quem solte, nem há quem prenda, apenas a vida dá lugar à morte.
Quando cai o sono, adormece a cama,
A alma buscaria as veredas bucólicas, a repousar sob os álamos,
Mas desvia-se por entre os ossos aflitos, suporta o castigo contemplativo,
Em que a noite visita os moídos, inclina-se sobre os fortes, reparte o dia,
Porque a dor é o mensageiro dos perdidos, o pão o resgate da carne,
O pó a resposta ao acordo desfeito, o fôlego último a pelejar na guerra perdida;
Há o leão a saciar-se com a fome, e os trovões a sussurrar o dilatar dos céus.
O vento traz os dias, raios a colorir os rostos secretos,
Gotas de orvalho endurecem-se na superfície congelada,
Ferro a esculpir a rocha, cascas de árvores arrancadas à unha,
O espírito afugentou a momentânea alegria, e não mudará as coisas indesejadas.
Ao redor, o que não me pertence faz parte de mim,
Espalha-se a raiva onde estava confiada, pronta a perseguir o pecado,
Passo a passo, lado a lado, a sentença é o pretexto à rebeldia,
Sem forças não há protesto que dure,
Fica-se a replicar às vezes, mão posta à boca,
Porque a vida é o esconderijo da morte.




MOTEJO
Não conheci,
Não encontrei,
Já é muito,
Os fiz abandonar,
Agora venha sem cargas.

Não há palhas,
Nem cascas,
Colha o grão seco dos galhos ociosos,
E ocupe-se com palavras vãs.

Nada diminuiu,
Nem o restolho se espalhou,
Apanhei-o como jóia acabada,
Enquanto a aflição veio ao avançar da noite.

Julguei as mãos vazias,
A culpa abandonada,
Ontem foi apenas outro dia...

Os braços estendidos,
O nome marcado,
Nenhum som aos ouvidos,
Nem sangue nos lábios,
No torpor ficou claro,
O que as moscas haviam dito.




CULPADO

O pão a seu pai
O grão à terra
Vida e morte
O campo se pesa
Recolha-se os filhos
A boca a comer
Fartar-se do que não juntou
Antes do sol se pôr.

Desce ao seu lugar em roupas novas
O coração lacerado
O choro como lavoura sem sega
Nada sobrou
Nem se buscou
Diante dele o silêncio
O "ai" de dor é quase um alívio.

A palavra amorfa caída entre o vazio da manhã
O pouco da velhice restou
Esteve conosco no pedaço desarraigado
O desastre lhe coube
Em vestes rasgadas no corpo sem perdão
Se ausentou
E não o tenho visto até agora.